Sobre a “Blasfêmia” em Geral e os Ritos de Eleusis em Particular
Sobre a “Blasfêmia” em Geral e os Ritos de Eleusis em Particular
por Aleister Crowley
Pioneiros, Ó Pioneiros!
Sempre que alguém pensar em abrir um novo canal de qualquer tipo, será de bom conselho que se espere por problemas. Se for o istmo de Suez, o ingênuo engenheiro pode imaginar que é apenas uma questão de remover certa quantidade de areia; mas antes mesmo que ele possa dar a primeira picaretada no solo, descobre que está enfrentando todo tipo de interesses: sociais, políticos, financeiros e outros. O mesmo se aplica à escavações de canais no cérebro humano. Quando Simpson introduziu o clorofórmio, ele pensou que era uma questão para os médicos; mas acabou sendo atacado pelos púlpitos. Todos os seus argumentos se mostraram inúteis; e provavelmente ainda estaríamos sem clorofórmio hoje em dia se algum gênio não tivesse feito amizade com ele ao descobrir que Deus fez Adão cair em um sono profundo antes Dele remover a costela da qual Eva foi feita.
O Abuso da Sarjeta
Hoje em dia, um movimento precisa estar muito bem encaminhado para o sucesso antes de ser atacado por pessoas responsáveis. O primeiro problema vem da sarjeta. Atualmente a linguagem da sarjeta consiste principalmente em insultos sem sentido, e as principais frases de efeito, vindo como vêm da boca de homens que nunca as abrem sem um juramento profano ou uma alusão obscena, são as de blasfêmia e imoralidade. A acusação de insanidade é frequentemente adicionada quando a idéia nova é suficientemente fácil de se entender um pouco. Há outra razão, também, para esses três gritos em particular; essas são as acusações que, se provadas, podem causar problemas à pessoa, e ao mesmo tempo são, de certa forma, verdadeiras para todos; pois todas se referem a um padrão mais ou menos arbitrário de normalidade. O velho grito de “heresia” naturalmente perdeu muito de sua força em um país onde nove décimos da população são reconhecidamente hereges; mas imoralidade e insanidade são hoje termos quase igualmente sem sentido. O Censor permite comédias musicais e proíbe Édipo Rei; e o Sr. Bernard Shaw rotula o Censor como imoral por fazer isso. A maioria das pessoas das classes educadas provavelmente concordará com ele.
Insanidade e Blasfêmia
Quanto à insanidade, é simplesmente uma questão de encontrar um nome grego ou latino para qualquer ato. Se eu abro a janela, é por causa de claustrofobia; quando a fecho novamente, é um ataque de agorafobia. Todos os professores me dizem que toda forma de emoção tem sua raiz no sexo, e descrevem minha paixão por imagens como se fosse um tipo peculiarmente antinatural de vício. Até para um arquiteto é impossível construir uma torre de igreja sem ser acusado de reviver o culto a Príapo. Agora, o único resultado de tudo isso é que todos esses termos de abuso se tornaram completamente sem sentido, exceto quando definidos por lei. Ainda há algum significado no termo “Falsificador”, como usado na linguagem geral; mas apenas porque ainda não ocorreu a nenhum sábichão provar que todos os seus oponentes políticos e religiosos são falsificadores. Isso me parece uma pena. Há, sem dúvida, uma passagem falsificada em Tácito e outra em Petrônio. Todos que estudam os clássicos são, portanto, uma espécie de cúmplices em falsificação. A acusação de blasfêmia é, em todos os casos, particularmente sem sentido. Ela foi lançada, por sua vez, contra Sócrates, Eurípides, Cristo, El-Mansur, o Báb e o Rev. R. J. Campbell.
O Arenque vermelho da Moralidade
A blasfêmia legal é, é claro, uma coisa completamente diferente. No recente e notório caso onde um agente da Rationalist Press Association, de nome Harry Boulter, foi processado, se provou que não havia qualquer questão teológica. Era realmente isto: “Os vizinhos estavam sendo incomodados?” “A linguagem do homem era grosseira?” e o Juiz e Joseph McCabe concordaram que era. Mas nos tempos modernos ninguém jamais foi processado em qualquer país civilizado por afirmar proposições filosóficas, quaisquer que sejam suas implicações teológicas. Não temos mais os Casuístas da Inquisição, que se dariam ao trabalho de argumentar a partir das proposições de Bruno sobre a imanência de Deus que, se isso fosse verdade, a doutrina da Encarnação seria insustentável (e, portanto, ele deve ser queimado). São apenas as seitas religiosas mais bitoladas que se dão ao trabalho de chamar Herbert Spencer de ateu. O que o homem comum entende por ateu é o ateu militante, Bradlaugh ou Foote; e é uma característica singular do Odium Theologicum que, em vez de argumentar sobriamente sobre a proposição que esses dignos apresentam, eles sempre tentam arrastar o arenque vermelho da moralidade pelo caminho. De todas as mentiras estúpidas que os homens já inventaram, nada é mais tolo do que a mentira de que alguém que não acredita em Deus deve igualmente não acreditar na moralidade. Na verdade, em um país que finge tanto parecer teísta como a Inglaterra, é necessária a mais impressionante coragem moral, uma verdadeira galáxia de virtudes, para um homem se levantar e dizer que não acredita em Deus; como o Dr. Wace observou historicamente, “deveria ser desagradável para um homem dizer que não acredita em Jesus”; e minha aversão ao Ateísmo é principalmente baseada no fato de que muitos de seus expoentes estão sempre me entediando sobre ética. Algum idiota inestimável, que espero que acabe no Museu Britânico, observou em um jornal libertário outro dia que eles não precisam se preocupar em derrubar as igrejas, “pois elas sempre serão úteis para discussões sãs e sérias acerca de importantes problemas éticos”. Pessoalmente, eu preferiria voltar aos tempos em que o pregador pregava pela ampulheta.
A Panela e a Chaleira
Eu sempre me diverti muito, também, nessa conexão da blasfêmia, com a leitura de revistas missionárias cristãs, nas quais fui amplamente criado. Elas estão repletas, da capa à contracapa, das mais escandalosas falsidades sobre os deuses pagãos, e dos insultos mais sem sentido a eles, insultos escritos pelos mais grosseiramente ignorantes de nossa população religiosa. Só em anos muito recentes o público inglês descobriu que Buda não era um deus, e não foram os missionários que descobriram isso, mas estudiosos de consecuções seculares. Na América, particularmente, as mais incríveis falsidades são constantemente circuladas pelas Sociedades Missionárias, mesmo sobre os costumes dos hindus. Ao lê-las, alguém poderia supor que todos os crocodilos na Índia eram alimentados com bebês como o primeiro dever religioso de toda mãe indiana; mas, é claro, é terrivelmente pecaminoso para o hindu zombar das divindades dos americanos. Por minha parte, que vivi metade da minha vida em países “cristãos” e metade em países “pagãos”, não vejo muita diferença entre as diferentes religiões. Seus argumentos consistem, no final, em afirmações passionais, o que não é argumento algum.
Religião e Poker Fechado
Há uma excelente história — muito mais conhecida na Índia do que na Inglaterra — de um missionário que explicava ao pobre pagão quão inúteis eram seus deuses. “Veja!” disse ele, “Eu insulto seu ídolo, ele é apenas uma pedra morta; ele não se vinga, nem me pune.” “Eu insulto seu Deus,” respondeu o hindu, “ele é invisível; ele não se vinga, nem me pune.” “Ah!” disse o missionário, “meu Deus vai punir você quando você morrer”; e o pobre hindu só pôde encontrar a seguinte resposta, digna de pena: “Então, quando você morrer, meu ídolo vai punir você.” Foi da América, também, que obtive o primeiro princípio da religião, que é; quatro cartas de um mesmo naipe não são tão boas quanto um par pequeno.
Orgia!
Ainda assim, suponho que seja inútil contestar a visão popular de que qualquer pessoa que algum tolo escolha chamar de ateu é capacitado a realizar “orgias”. Agora, alguém pode me dizer o que são orgias? Não? Então terei que me rebaixar até o Léxico. Orgia, usado apenas no plural e conectado com Ergon (trabalho), significa ritos sagrados, culto sagrado praticado pelos iniciados no culto sagrado de Deméter em Eleusis, e também os ritos de Baco. Também significa quaisquer ritos, culto ou sacrifício, de quaisquer mistérios sem qualquer referência à religião; e Orgiazio significa, portanto, celebrar as orgias, ou cerimônias, ou para celebrar quaisquer ritos sagrados. É um comentário realmente pobre sobre a celebração de ritos sagrados que a palavra tenha passado a significar algo completamente diferente, como acontece hoje. Para o homem comum, orgia significa uma festa selvagem geralmente acompanhada de embriaguez. Acho que já é quase hora de alguém tomar a palavra orgia como um Grito de Guerra e, tendo mostrado que a Eucaristia é apenas um tipo de orgia para restaurar o verdadeiro entusiasmo (que não é de natureza alcoólica ou sexual) entre os leigos; pois não é segredo que o afastamento de todas as nações da religião, que apenas alguns vermes cegos são insensatos o suficiente para negar, se deve ao fato de que o fogo não queima mais na lâmpada sagrada. Fora alguns mosteiros, dificilmente há qualquer igreja de qualquer seita cujos membros realmente esperam que algo aconteça com eles por participar do culto público. Se um novo São Paulo fosse viajar para Damasco, o médico seria chamado e sua visão celestial diagnosticada como epilepsia. Se um novo Maomé viesse de sua caverna e se anunciasse como um mensageiro de Deus, ele seria considerado um lunático inofensivo. E essa é a primeira etapa da propaganda religiosa.
As Estações da Cruz
Agora, o verdadeiro mensageiro de Deus sempre pode ser distinguido de maneira muito simples. Ele possui uma força misteriosa que lhe permite persistir, indiferente aos escárnios e risadas do populacho. Então, os mais sábios percebem que ele é perigoso; e começam com a tática da blasfêmia e da imoralidade. Na vida de nosso Senhor, isso será notado. Em primeiro lugar, houve apenas o desdenhoso “ele tem um demônio”, que era o equivalente ao nosso “ele é apenas um excêntrico”, mas quando descobriram que esse excêntrico tinha seguidores, homens de força e eloqüência como Pedro, para não mencionar o gênio financeiro como Judas Iscariotes, o grito foi rapidamente mudado para acusações selvagens de blasfêmia e alegações de imoralidade. “Ele é amigo de publicanos e pecadores.” Um governo são apenas ri dessas ebulições; e então é tarefa dos fariseus provar ao governo que é de seu interesse suprimir esse perigoso arrivista. Eles podem ter sucesso; e embora o governo em nenhum momento esteja cego ao fato de que está cometendo uma injustiça, o novo Salvador é crucificado. É essa publicidade final da crucificação (pois a publicidade é tão necessária em uma época quanto em outra) que garante o triunfo completo àquele que seus inimigos ingenuamente supõem ser sua vítima. Tal é a cegueira humana, que o mensageiro, seus inimigos e o poder civil, todos fazem exatamente a única coisa que derrotará seus objetivos. O mensageiro nunca teria sucesso se não fosse o fato dele ser O Mensageiro, e realmente importa muito pouco quais passos ele possa tomar para entregar a mensagem. Pois todos os envolvidos são apenas peões no grande jogo jogado pela sabedoria e poder infinitos.
Cerimônias Ordeiras, Decorosas
É, portanto, uma questão insignificante, esse abuso, de qualquer fonte que venha. Seria uma perda de tempo se eu tivesse que provar que os ritos de Eleusis, como estão sendo realizados atualmente no Caxton Hall, são cerimônias ordeiras, decorosas. É verdade que às vezes a escuridão prevalece; como acontece em algumas das óperas de Wagner e em certas cerimônias de caráter místico que ocorrerão às mentes de uma grande parte dos meus leitores masculinos. Há, além disso, períodos de profundo silêncio, e eu posso entender muito bem que em uma era de tanto falatório como essa, parece uma circunstância muito suspeita!
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